A Arquitectura ficou mais pobre. Conhecido e reconhecido em todo o mundo, morreu na noite desta quarta feira Oscar Niemeyer. O homem que desenhou Brasília deixou sua marca ao longo do século XX. A obra de Niemeyer transcende fronteiras: é o arquiteto brasileiro que acumula maior número de prémios internacionais, com destaque para o Prémio Pritzker que recebeu em 1988. Também exibe um conjunto de obras realizadas no Brasil e no exterior, que o coloca como um dos maiores expoentes da arquitetura universal. Produziu mais de 500 projectos, dos quais 181 construídos no exterior. Dos projectos de Oscar, como gostava de ser tratado, ressuma sempre uma originalidade inesperada. Quer pelos resultados de uma concepção estrutural apurada, quer pelas espacialidades e escalas intangíveis, geradoras de formas delineadas pela sensualidade do desenho e faz com que as suas obras, frequentemente referenciadas por ligações ao imaginário colectivo, vindas do barroco mineiro, das montanhas ou das formas femininas, de releituras da antiguidade ou de si próprio, ou mesmo de inclinações surrealistas, instalam-se com a força de símbolo e assumem o potencial de ícone urbano. A cúpula da Catedral, com arcos que parecem evocar o gótico, a colunata do Palácio da Alvorada, as meias esferas equilibradas pelas torres do Congresso Nacional, remetem-nos para Brasília, O Edifico Copan e a Marquise do Parque Ibirapuera em São Paulo, o Museu de Arte Contemporânea em Niterói, o Museu Oscar Niemeyer em Curitiba, são imagens de obras que referenciam o lugar onde se instalam, edifícios que assumem o status de “marco urbano”, elementos urbanos carregados de conteúdo simbólico, peças essenciais à orientação urbana e à imagem e identidade da cidade. Através do seu talento e intelectualidade, Niemeyer implanta cultura nos espaços em que intervém, as suas obras atingem refinada depuração e dão a identidade de genius loci no contexto em que se implantam. Para se entender a importância do arquitecto Oscar Niemeyer devemos atender à coerência de seu percurso, que se instala com uma linha evolutiva constante, acompanhada de provocações formais, que podem levar à estranheza ou à paixão, mas não poupam os sentidos de quem as vivencia. A sua obra apresenta oportunidade pela identidade que conquista, pelo potencial formal e a interlocução espacial que assume perante o observador. O arquitecto nascido no Rio de Janeiro, tem como obra mais emblemática o conjunto de edifícios projectados para Brasilia nos anos 50, cidade inaugurada em 1960 e classificada Património da Humanidade pela UNESCO, cujo cinquentenário é em 2010. Brasília é a cidade modernista inaugurada em 1960 como resultado de um período de euforia, convergências e alianças políticas característicos deste momento de materialização do ideal moderno. É apoiada num programa de desenvolvimento, que significou para o Brasil uma experiência radical edificada na utopia modernista da educação pela forma e representava, no conjunto das intenções que a compuseram, o desejo de fundar um novo país e uma nova sociedade. Oscar Niemeyer, arquitecto das formas esplêndidas e do sonho, é uma referência viva da luta por um mundo melhor, mais justo, mais rico – isso mesmo, mais rico –, mais generoso e sobretudo mais humano, esse é o mundo de Niemeyer. A sua forma de agir é sempre marcada pela simplicidade e denota todo o seu conhecimento e capacidade. Niemeyer é mais do que um arquitecto, mais do que um escultor, mais do que um artista, mais do que um poeta. Niemeyer tem uma visão dilatada do mundo e dos seus problemas, o que se reflecte, sobretudo, na sua preocupação com o social. A sua palavra-chave, é “solidariedade”, uma acção concreta em favor dos menos favorecidos. Artista universal, Óscar Niemeyer é reconhecido e admirado em todo o mundo. O seu traço é de ousadia. Ousadia na busca da simplicidade e do novo que molda o betão e o transforma em suave beleza. Com a junção de linhas curvas e rectas, Niemeyer soube criar um estilo próprio de Arquitectura, desafiando o espaço na amplitude de grandes vãos livres. Respeitado em todo o mundo pela sua capacidade de superar obstáculos e ideias, e transformar sonhos em matérias, Niemeyer, é não só arquitecto. É também escultor, cenógrafo, escritor. Quando iniciou a sua vida de arquitecto, em 1936, a Arquitectura pontificava o funcionalismo que recusava a liberdade de criação e a invenção arquitectónica. Impunham-se sistemas construtivos e limitações funcionais. Mas estas não convenceram o jovem Oscar, que olhava as obras do passado tão cheias de invenção e lirismo. Não podia compreender como a Arquitectura contemporânea permanecia fria e repetida, numa época em que o betão armado podia oferecer formas livres e inesperadas. Para uns, é só a função que conta; para outros, inclui a beleza, a fantasia, a surpresa arquitectónica que é para Niemeyer a própria Arquitectura. No começo, Niemeyer procurou aceitar tudo isso como uma limitação provisória e necessária, mas depois voltou-se inteiramente contra o funcionalismo, desejoso de ver a Arquitectura integrada na técnica que surgia e juntas caminhando pelo campo da beleza e da poesia. E essa ideia passou a dominá-lo, irreprimível, decorrente talvez de antigas lembranças das igrejas de Minas Gerais, das mulheres belas e sensuais que passam pela vida, das montanhas e dos morros recortados na Baía de Guanabara. A beleza moderna da arquitectura de Oscar Niemeyer continuará a encantar o mundo Conceição Trigueiros |